quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Considerações sobre os adolescentes a família, a crise de valores e a política em nossa sociedade


         
            
          Na Rua Governador Valadares, bem próximo ao hospital Santa Maria, havia uma velha casa de madeira. Abandonada pelos seus donos, aquela casa se tornara um cantinho dos prazeres. A molecada se reunia todas as noites para bebericar o que conseguiam, da maneira mais escondida possível, e imaginar que eram homens, bebendo, usufruindo daquilo que a cultura de nossos pais, machista, desde pequenos nos ensina ser o certo, mesmo sendo o errado. É cultura, né? Fazer o quê?!

Outras vezes, depois dos hormônios mais evolvidos podíamos nos permitir visitas de mocinhas já mulheres, vivendo as ebulições hormônicas dos seus quatorze, quinze anos, permitindo às filas de moleques provarem daquele mel prometido, sabia Deus a quem...

            Meu Deus!... Só Deus é que protegia aquela legião de prováveis aidéticos...

            E hoje? O que os jovens fazem?

           Não chega a ser tão diferente, mas hoje a libertinagem e a ausência de valores, inclusive éticos e morais parecem estar mais acentuadas. Na verdade muita coisa deixou de ser camuflada... 

          Quando me lembro da forma como tínhamos medo de sermos pegos por um adulto. Era medo mesmo! Se nossos pais soubessem de alguma de nossas traquinagens, Deus do céu! Era “caixão e vela preta!” Hoje parece que a molecada não se importa com a possível repreensão de um adulto. Ao que parece, eles nem diferenciam mais adultos de adolescentes ou crianças. Talvez seja pela confusão que a TV tem feito há anos mostrando crianças que vivem como adultos, se vestem como adultos, tem uma vida sexual ativa, como adultos... São crianças... E nem vou pedir que acredite, pois nem é preciso, basta olhar para os lados. 

           Achamos tudo o que acontece com a juventude algo anormal, mas não é bem por aí. Para eles, tudo o que achamos impróprio para suas idades, é muito normal. Esse tem sido um dos problemas, não deles, mas nosso. Os tratamos como achamos correto, mas estamos é perdidos, pois eles, com certeza, nos acham muito atrasados. O pior é que somos mesmo...

       Eles já sabem de tudo o que achamos que não sabem, já conversam sobre todos os assuntos que pensamos ser vergonhoso para eles, já fazem coisas que nem se quer imaginamos, quando estão sozinhos ou com os amiguinhos ou amiguinhas. Em suas cabeças existe um universo que, se pudéssemos navegar por suas galáxias, certamente teríamos o pior de todos os nossos pesadelos, pois o que esperamos deles é que sejam crianças, crianças apenas... Mas não o são! Não mais!

          Essa crise familiar que o nosso país está vivenciando, por estar ainda em seu começo, não permitiu que a população parasse e desse a devida atenção que a discussão merece. Mas a passos largos o caos está tomando nossas casas, nossos bairros, nossas cidades, e por todos os cantos do país vemos casos de jovens sem futuro, casos de crianças que dão à luz a outras crianças, casos de pais cada vez mais omissos, ausentes, e, por isso, muito compreensivos com os seus filhos quando não deveriam ser...

           Então, o que fazer?

           Solucionar este problema será um enorme desafio para as conjunturas políticas que pretendem comandar o nosso país, os nossos estados, as nossas cidades. Mas, sinceramente, acredito ser muito difícil que os governos neoliberais, financiados pelas grandes empresas, banqueiros e corrupção, sejam capazes de encontrar caminhos que possam ser trilhados por essa nova sociedade que se apresenta. Até porque é de interesse do poder que as pessoas não tenham a capacidade de reconhecer a verdadeira situação em que vivem política, social e economicamente falando. Famílias desestruturadas acabam por contribuir com os problemas sociais que vivemos hoje de modo insofismável. E quando falo em famílias falo em todos os tipos de família que temos hoje, pois a família tradicional há muito que vem definhando por diversos motivos.
 
           Quando um pai precisa de um político para conseguir que sua conta de luz seja paga, ou precisa de um corrupto para que o remédio que deveria estar no postinho chegue até o seu filho, ou precise se humilhar diante de um vereador ou prefeito para conseguir uma ambulância para levar o seu filho acidentado até a cidade mais próxima com UTI (o que deveria existir em todas as cidades, se observarmos a quantidade de impostos que pagamos), quando este pai ou mãe precisa passar dias atrás de um político para conseguir um contrato temporário para poder sustentar sua família, como se não tivesse direito a um bom emprego, como se não tivesse direito a ter em sua cidade um concurso público para que pudesse conquistar a sua vaga e não precisar ser humilhado por sigla partidária alguma... Quando coisas assim acontecem, é porque, infelizmente, a sociedade nem se quer sabe o verdadeiro papel de um político, ou então, pior ainda, a necessidade que o povo passa devido à corrupção e má administração é tanta que o povo se vê obrigado a aceitar o inferno em que vivemos... Estamos sem saída... Talvez...

A educação, a ciência, o conhecimento, que são a única saída para o povo, são desmoralizados através das armas que o poder utiliza para fazer do povo eternos ignorantes: sucateamento da educação pública, em todos os níveis; desvalorização dos profissionais da educação; a TV; a prostituição legal; a banalização do sexo através de músicas, filmes e sua livre divulgação através dos diversos e modernos meios de comunicação; até a própria igreja, com sua milenar alienação cultural e científica, sempre se curvando aos poderosos, seus patrocinadores... Verdadeiro cerco fechado...

Temo muito pelo futuro que nossos filhos terão... Temo muito pelo futuro que eu terei, pois para todos os lados que olhamos nestes dias de campanha vemos os frutos da corrupção se aproveitarem da ignorância, câncer de nossa sociedade, e fazerem com que pernas e braços empunhem pendões e entreguem folhetins com os números daqueles que sem dúvida são os culpados por tais braços e tais pernas terem de se submeter a tal opressão, a tal vergonha, a tal humilhação...

          Espero em Deus que a humanidade possa um dia abrir os olhos, que possa discernir entre a exploração e a comunhão, que aprenda com o “mistério” de Cristo o que vem a ser comunidade, entrega, socialismo, luta pelos irmãos, que são as pessoas de todas as cores, classes, opções sexuais, religiões, partidos políticos, países, etc. e que através do conhecimento e evolução que o Criador nos proporcionou possamos construir uma terra livre de opressores, de políticos corruptos, da ignorância, e que todos tenham oportunidade de ser, de dizer, de sonhar, de fazer um mundo melhor.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Politização Social: Considerações sobre os adolescentes a família, a c...

Politização Social: Considerações sobre os adolescentes a família, a c...:             Na Rua Governador Valadares, bem próximo ao hospital Santa Maria, havia uma velha casa de madeira. Abandonada pelos seus...

Frases de alunos...




Estava a rever as postagens de meu blog e encontrei esta. São frases dos meus alunos de 2012, alguns deles pivôs do movimento "Mais água", que aconteceu na escola Maria da Glória na semana passada. Essas frases mostram o quanto esses alunos já eram coerentes naquele ano. Quanto ao movimento, repito o que disse ontem, na reunião, a eles: "O movimento precisa ser organizado, politizado, dessa forma faz-se necessário o conhecimento, para que o movimento de vocês não seja fragilizado, criminalizado e nem transformado em politicagem pelos "abutres" da política de nossa cidade.”



“Se ao pegar o livro você disser: ‘Vou pegar esse livro, vou ler e vou me imaginar na história’, assim você vai compreender a história e, no final, você vai falar: ‘Esse livro é bom... Amanhã, vou ler outro!’.”
Érica Souza Lopes – 8º ano B

“Quando a gente vai à frente dos colegas explicar, com todo o amor, com coragem, é porque sabemos falar tudo o que está escrito na leitura, então os colegas perguntam: ‘Por que você sabe explicar tão bem?’, e a gente responde com muita atenção: ‘Porque tenho a leitura comigo...’.”
Antônio Adriano – 8º ano B

“A leitura é a melhor forma de aprendizado”
Dhéssica Rocha – 8º ano B
“Ler e se expressar na frente de todos não é mico, e sim capacidade de mostrar aos outros que você pode chegar a algum lugar e falar.”
Andréia da Silva – 8º ano B
“Para garantir um futuro de sucesso e qualidade de vida basta estudar bastante e sempre ler.”
Érika Silva – 8º ano B
“Os livros, os textos, os poemas nos dão a visão abrangente e diferenciada que a ignorância nos tira.”
Luziane Silva – 9º ano A


“Lendo os livros, aprendemos a ler o mundo...”
Carla Emmanuelly – 9º ano A

“Os livros nos ajudam a sonhar...”
Fernanda Ramos – 9º ano A


“Vamos todos ler
Para melhor aprender!”
Antônia Gilzeneide – 9º ano A

“... na verdade a leitura é a melhor coisa que existe. É como um teatro dentro da sua cabeça dançando balé com a sua imaginação.”
Steffany – 9º ano B

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Não se meta em coisa errada




  Minha tia me dizia para não me meter em coisa errada. Eu entendia o que ela queria dizer, mas o que vinha a ser essa tal coisa errada era um pouco difícil de perceber. A não ser quando fosse muito, mas muito errada mesmo. Mas tudo bem. Acho que não me meti em “coisa muito errada mesmo”, mas um dia eu quase “levei o farelo” por causa de um camarada que conheci na escola. Ele era muito bacana. Sorria todo o tempo. Era boa pinta. Muito popular entre as meninas. Sempre tinha grana pra lanchar e pagar para os outros colegas no intervalo. Não morava na cidade. Dizia que todos os dias pegava o Transbrasiliana, e vinha de Goianésia pra cá. Todos os dias... Imagine a despesa...
Eu até que gostava dele. Pra falar a verdade eu era o melhor amigo que ele tinha na escola. Depois das aulas jogávamos videogame juntos: corrida de carros geralmente. Tomávamos um refrigerante e íamos embora. Ele seguia para a agência da Transbrasiliana e eu para minha casa.
Já estava quase acabando o ano, quando fui convidado por ele para ir à sua casa, passar um fim de semana. Pedi pra minha tia e ela me fez um monte de perguntas sobre o colega e mais um tanto de recomendações. Por fim, deixou que eu fosse.
Na sexta feira, depois da aula, passei em casa, peguei a mochila com algumas roupas e “rasguei” com ele para Goianésia.Chegamos lá e fomos andando para a casa dele. Longe “pra caralho!” Depois de meia hora caminhando chegamos a uma casa recuada, com muitas plantas na frente, até um pé de manga. Casa pequena, de madeira, uma pequena varanda, sala, dois quartos, cozinha e nos fundos o banheiro. Quem nos recebeu foi sua avó. Na verdade só tinha ela na casa. Os dois moravam juntos. Ele havia me dito que morava com os pais, em casa grande, construída, disse que tinham carro e tudo o mais. E agora? Sentou-se na cama e disse que não havia dito a verdade porque tinha vergonha. Disse ainda que seus pais moravam na África fazendo estudos, eram biólogos. Foi bem difícil para eu digerir esse devaneio dele, mas tudo bem. Sua avó era muito boa, uma senhora muito agradável, de voz doce e cabelos branquinhos. Ela me acolheu muito bem.
Saímos à noite e foi aí que descobri que ele tinha muitas amizades, mas todos eram pessoas mais velhas que a gente. Fomos a uma pizzaria na praça, tomar umas cervejinhas. Éramos menores de idade, mas já tínhamos dezessete anos. Ninguém negava bebida pra gente nos bares, e pedir documento, jamais. Não é costume dos bares em nossa região.
De vez em quando algum carro parava, abria o vidro e ele ia até lá, conversava com o motorista e voltava. Acho que só nessas duas horas que passamos lá sentados foram uns quatro carros diferentes. Até que um deles que já havia passado umas três vezes por lá, encostou. O motorista desceu. Era um homem de uns quarenta anos. Sentou-se na mesa com a gente. Fui apresentado. A conversa estava muito legal e ele nos convidou para irmos à sua casa. Disse que tinha um uísque maravilhoso e outras coisas mais. A mulher havia viajado. A casa estava livre para nós. Meu companheiro na hora aceitou o convite, e com entusiasmo. Eu fiquei meio assim, mas fazer o quê, né? Fomos.
O carro do cara era o máximo. Carrão mesmo. A casa então... Entramos e nos sentamos no sofá. A conversa continuou agradável e melhor ainda quando nos foi servido o uísque acompanhado de frios, como tira gosto. O uísque estava muito bom. Acho que eu já estava muito tonto e estava assistindo a um filme que o senhor havia colocado (filme pornô), quando percebi que meu amigo e o cara tinham sumido. Fiquei, assim, desconfiado, me levantei e comecei a procurá-los.
Quando ia entrar na cozinha vi que os dois estavam atracados, se beijando e se amassando. Acho que não me viram. Voltei para o sofá e um turbilhão de pensamentos passava em minha cabeça. Onde é que eu havia me metido? O álcool ajudou ainda mais para que eu ficasse louco. Meu amigo e aquele cara atracados? Ele era gay e eu não havia percebido? Mas ele nunca havia dado sinais disso... E nem aquele homem! Ele era casado! Que porra era essa?
Eles voltaram, eu fiz de conta que tudo estava normal. A sala estava meio escura. O cara sentou- se do meu lado. Pegou na minha perna. O filme pornô rolando. A mão dele foi subindo. Até tocar o meu pinto. Eu fiquei tremendo. Tomei coragem! Tirei a mão do cara de cima de mim, mas ele chegou mais perto. No meu ouvido pediu para eu relaxar. Aí eu não aguentei. Empurrei o cara, me levantei e chamei o meu amigo pra gente ir embora. Os dois pediam para eu me acalmar, mas eu já estava com o sangue fervendo. Disse que não gostava daquilo.
Meu amigo me chamou até a cozinha e lá me disse pra ficar calmo, deixar rolar. Disse aindaque rolava uma grana boa depois. Afinal, como é que ele arranjava toda a grana pra pagar as coisas na escola pra galera e pra andar tão bem vestido? E sua avó? Ele tinha de sustentá-la!
Eu não entendia nada. Eu só queria ir embora. Saí dali para a sala e sem me despedir daquele senhor me dirigi ao portão. Estava trancado. O senhor chegou perto de mim e pediu desculpas, disse que achou que eu, por ser amigo do outro, fazia os mesmos serviços. E disse muito claramente, com todas as letras, para eu fazer de conta que nada havia acontecido ou que eu me esquecesse de sua existência, se não...
Meu amigo me acompanhou. Disse que eu não podia ser assim, tão careta. Disse que era grana fácil e muita grana. Que eu devia repensar, voltar para a casa do senhor e participar da farra homossexual que ele estava pretendendo fazer com a gente. Fiquei puto com ele, xinguei e disse para me respeitar. Garoto de programa? Isso lá é vida! Onde é que fica a dignidade da gente nessa hora? Vender o corpo? Transar com um cara por grana? Loucura!
Nada contra o homossexualismo, mas esse tipo de indução é algo ridículo. O desrespeito dele comigo, me trazendo à sua casa pra curtir um fim de semana legal, mas que, na verdade, era uma iniciação à prostituição, eu não podia perdoar.
Ele viu que eu estava com muita raiva. Pediu pelo amor de Deus para que eu não contasse nada a ninguém. Disse que era por isso que ele não estudava em sua cidade. Os colegas o zoavam muito. Eu fiquei calado, mas minha vontade era de chegar à escola e escancarar a verdade pra galera que o achava tão bacana.
A cabeça esfriou e eu acabei foi ficando com pena dele... Sua vida era uma grande mentira... Coitado... Infelizmente algumas pessoas buscam caminhos muito difíceis e imorais para trilhar e ele era um desses... Um cara inteligente, mas fraco, muito fraco...
Não consegui ficar em sua casa. Já era tarde, mas fui para a agência e peguei o primeiro ônibus de volta. Cheguei de madrugada em casa. E a frase de minha tia não me saia da cabeça: “cuidado para não se meter em coisa errada!” Imagine só a desculpa que tive de inventar e o sermão que tive de escutar quando ela me viu chegar àquela hora...

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Comportamentos dos pais...

Talvez isso tenha acontecido com a maioria dos professores de nosso município. Comigo aconteceu algo parecido, mas ainda bem que a maioria dos pais que nos procuram nas escolas ainda conservam uma atitude mais parecida com a de 69. 

O maior problema mesmo são os pais que nem se quer comparecem à escola... 

O que fazer?

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Dicas para a prova de hoje:

Estudem um pouco mais;
Pré-modernismo é o período a ser estudado;
Lembrem-se de Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato e Augusto dos anjos;
Sobre o último, não esqueçam:

"Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!"

 

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Irandé, sobre a aula de língua portuguesa

      Um desabafo acerca da triste realidade das aulas de língua portuguesa no Brasil, mas que também se aplica às disciplinas de modo geral... ou melhor, às práticas metodológicas e ao currículo adotado pelos professores, pelas escolas...


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Conhecimento pra quê?




            
        Ontem, na aula da professora de história, estávamos discutindo algo meio estranho do que sempre discutimos em aulas de história. Nada de datas, nomes compridos, acontecimentos históricos... Falávamos sobre conhecimento. Era o primeiro dia de aula, e talvez é por isso que a professora não foi direto ao conteúdo, afinal, primeiro dia de aula é tudo igual mesmo: enrolação pura!
Mas até que às vezes os professores acertam e acabam fazendo algo legal. O que não dá é para aguentar o velho discurso de que a educação é muito importante, o conhecimento é fundamental, de que temos que estudar cada vez mais, que o nosso futuro isso, nosso futuro aquilo, blá, blá, blá, e a gente ali, com vergonha, acanhados, doidos para conhecer os novatos, bater aquele papo... Sabe como é, né? Primeiro dia de aula a gente fica quietinha para causar boa impressão, mas não ao professor, e sim aos meninos, é claro. Ah! Causar boa impressão também às meninas: muita maquiagem, a roupa nova que usamos no natal, e por aí vai. Só pra deixar elas com inveja da gente...
Sei é que no meio daquela discussão nada a ver aconteceu algo interessante. O Armando estava atrás da professora quando ela perguntava, do meio da sala, o que era conhecimento. Eu observava tudo caladinha... O Armando é um gato, mas parecia que não tinha muito conhecimento...
– Será que o nosso avô, lá da roça tem conhecimento, Armando?
O silêncio imperava na sala.
– Armando?!
– “Fessora”, eu acho que não tem não. O velhinho meu avô é analfabeto de pai e mãe. Ah! Mas tem uma coisa que ele sabe muito melhor do que eu: ele sabe contar. Faz contas de todo jeito...
– E então, gente, isso é conhecimento ou não?
– Sim! Responderam todos.
– Pois é! Precisamos compreender que existem diversas formas de conhecimento e que todas elas têm sua importância.
– Sei, “fessora”, mas ele não tem esse conhecimento que a senhora “tava” dizendo pra gente buscar não. O vô nunca foi na escola, mal assina o nome, não lê nada...
– Mas ele tem muitos conhecimentos. Conhecimentos que talvez nunca conquistemos, muitas vezes por não precisarmos deles, como cuidar dos animais, por exemplo. E os cálculos, que teu avô aprendeu a fazer, fazem parte do conhecimento científico, o que é muito importante. E tem mais: muitos de vocês que estão aqui talvez não saibam nem a metade do que teu avô sabe dos números.
– Então eu vou deixar de estudar e vou é pra roça, “fessora”. Meu avô não estudou nada, só aprendeu a contar e tem mais de quinhentas cabeças de gado, tem dois empregados, caminhoneta na garagem, novinha, terra pra caramba... Quer mais o quê? A senhora, que estudou tanto e tem tanto conhecimento, mal tem uma Pop pra vir pra escola, vive de aluguel, é humilhada pelo governo, tem que fazer greve pra aumentar quase nada no salário, trabalha mais que uma jumenta, de manhã, de tarde e de noite e ainda leva trabalho pra casa... Isso lá é vida, “fessora”?! Tô fora! Vô pra roça!
Todo mundo sorriu nessa hora. A professora abaixou a cabeça e foi andando até a sua mesa, se sentou. A turma ficou observando em silêncio.
– Não conheço o seu avô, espero que seja um bom homem e que tenha conquistado tudo o que tem com o seu trabalho. O conhecimento que tenho fez de mim uma professora. Infelizmente essa profissão, por mais bela e digna que seja, ainda não é valorizada em nossa sociedade. Mas sou professora por que espero que com o meu conhecimento, conhecimento que busco, que aumenta todos os dias, eu possa compreender o porquê de tantas coisas injustas que temos no mundo e orientar os meus alunos para que tais injustiças diminuam ou deixem de existir no futuro. Pois se lembre dos dois empregados do seu avô! Hoje, se você quiser ir pra roça, como disse, será para ser como eles. Você acha que eles têm uma vida boa, digna? Acredita que são felizes tendo que acatar as ordens do seu avô para sobreviver, tendo que sobreviver com um salário que os impede até de sonhar, que torna suas vidas limitadas a mediocridade do “nasci assim, tenho que morrer assim”?... Acredito que você não quer uma vida assim... Todos os seres humanos tem a mesma capacidade de tornarem-se donos de suas vidas, capacidade de compreender as artes, a ciência, o social, a verdadeira aventura que é viver sobre a face da terra. É uma pena que tantas pessoas sejam limitadas ao quase nada... Muitos até são formados, graduados, mas deixam que suas vidas se tornem verdadeiras prisões nas quais nem se quer descobrem a magia existente num pôr-do-sol... Incapazes de compreender a beleza que há na natureza, na diversidade, na pluralidade existente em nosso mundo. Pessoas de conhecimento limitado que acreditam que a felicidade, o bom da vida, é ter poder, quer dizer, dinheiro para poder mandar nos medíocres, nos puxas sacos, nos que se deixam humilhar por não terem se quer descoberto que a vida é uma só e que não foi feita para sermos humilhados, enganados, roubados... Apenas com o conhecimento, com a percepção da realidade a nossa volta, apenas adquirindo a sensibilidade tanto para as artes e para o conhecimento científico quanto para a existência em sociedade, que é a verdadeira arte e ciência, é que nos tornamos seres completos e capazes, quem sabe até de uma experiência espiritual, coisa que há muito tempo vem sendo vendida pelos templos, cristãos ou não, mas que pela superficialidade apresentada pelos que se dizem profetas ou iluminados, se torna algo que provoca conflitos, desentendimentos e dúvidas... Bem, acho que já falei de mais... Mas o conhecimento é essa coisa que nos faz melhores, que nos mostra verdades, por mais que a verdade seja algo relativo. Mas o legal é que com o conhecimento você não vai mais aceitar tudo o que te dizem como verdades absolutas. Historinhas de papai Noel nunca mais!
Por incrível que pareça, os alunos ficaram ligados no discurso da professora. Eu não vou negar, gostei muito. Nunca aceitei essa ideia de ter que ficar babando ninguém. Minha mãe é diretora de escola e vive reclamando da vida em casa: vive sendo humilhada, mas não larga o cargo. Vai entender...
Amanhã, acho que vai ser normal: professor, quadro cheio, a bagunça vai começar, se chover vai ter goteira, suco de goiaba com bolacha de água e sal... Nada que não seja da rotina de nossa escola. Só espero que eu e meus filhos, se é que vou ter coragem de tê-los nesse mundo tão doido, vivamos num país com o conhecimento que a professora tanto sonha para nós. E que esse país e principalmente nossa cidade se transformem em lugares melhores, sem tanta roubalheira, sem tanta corrupção. Um lugar do qual tenhamos orgulho e no qual sejamos felizes.